quarta-feira, 2 de abril de 2008

Prosas com o Irapuá...

“O Irapuá se recolhe devagar ao descanso, tardezinha
E nem o ventito que reponta a noite me leva à casa
Pé na porteira, olhos no céu, uma saudade só minha
Se chega mais escura que a noite, mais fria que o vento.
A palavra já não voa fácil, pássaro que quebrou a asa...
Mas conto pra o campo largo e quieto que me viu nascer
Que ouve há vinte e mais anos essa alma silenciosa
Meu coração é como a lua e só um lado é triste e vazio
O outro é adoração ao guri que lhe acelera a mil o bater
Doce e arisco, pimenta, canela, calma, mistério e desafio”...
*

O Tradicional “’tá tarde” de meu pai corta meus pensamentos
A frase que ouço desde criança como toque de recolher
Me faz sorrir devagar, mesmo sentindo os olhos molhados
Fixo as estrelas que as sombras revelam, tentando as prender
As lágrimas borram o brilho, e por meu rosto em descida
Vão fios de luz, saudade que de um peito cheio transbordou
Desfaz o riso, antes que chegue à boca a estrela desmanchada...
O toque de recolher se repete, menos rígido do que pode parecer
Pego o rumo de casa, o cuidado de deixar a cancela encostada
Com a certeza de que o tempo não deixaria tudo morrer
Amor não se termina, se transforma como campo que anoitece
Sabe que o sol não o encontrará tal e qual o deixou ao se pôr
Há morte na noite, brota sentimento em campo de coração sozinho...
Todos os dias nascem pra ser de saudades e de recomeço
Se o que se foi me fazia triste, meu presente é carinho
Meu sorriso é boa noite ao melhor conselheiro que conheço
Irapuá campo lindo adormecido, obrigada por me ouvir, sussurrei
E ao céu que assistia: Gracias meu Deus, me acompanhas também
Perdi tanto! Mas é incomparável o valor do tesouro que encontrei!
*
Sei que vou dormir logo, como nunca na cidade
Mas pensamentos sem nenhum permisso se vem
Cismo, quem pode saber da minha verdade?
Que sabem todos, de campo, que não sei também?
Não faz parte das teorias de teclado sobre Identidade
E doutorzinho nenhum saberá estudando o que é que tem
Nessa noite misteriosa, que entoa canções sem idade
Tão densa que alimenta, tão lenta que sinto o mundo girar
Adormeço no leito do Irapuá, é campo e rio sem vaidade
Velam meu sono como irmãos que protegem meus segredos
A madrugada puxa o astro luz em tom de cumplicidade
Imitando mistérios do olhar guri que adoro sem comparação
Pra mim saber que a noite ouviu meus sonhos e os espalhou
E o sol de novo cruzará o céu pra se pôr no canto do galpão
Fazer lembrar que foi num templo desses que tudo começou
São Lourenço repontava canções, ele tomava posse do meu coração”...